EDITORIAL
Por Alexandre Caldini, especialmente para a Feego
(Autor e orador espírita)
A morte é algo natural, universal e, portanto, absolutamente previsível. Mas, curiosamente, ela sempre nos surpreende e amedronta. Por que seria? Pelo mesmo motivo que temos medo de obsessores, de cirurgias e do escuro: tememos o que desconhecemos. Então, para não temer a morte é preciso que acabemos com nosso desconhecimento sobre o assunto, ilustrando-nos, estudando a morte, falando dela. Como em tantos outros assuntos, o espiritismo, também nesse esclarecimento, pode ser de boa ajuda. Para compreender a morte, precisamos compreender seis pontos. Recomendo que os leia com atenção, examine e medite com calma sobre cada um deles:
- Nós não somos nosso corpo, somos espírito.
- Espírito é o que somos: nossa essência, nosso caráter, nosso conhecimento acumulado.
- O espírito, que é imaterial, não envelhece, não estraga, é indestrutível, não morre.
- O corpo, esse sim, perde vitalidade e precisa ser substituído. Em outras palavras, morre.
- A morte do corpo é algo trivial: já nos aconteceu no passado e acontecerá novamente.
- Após a morte, a vida segue, para encarnados e desencarnados, em caminhos distintos.
Em compreendendo os pontos acima, devemos, para nosso bem, para o bem daquele que morreu e para o bem de todos à nossa volta, buscar uma atitude positiva com relação à morte. Quando lidamos com a morte, precisamos nos equilibrar. E como se faz isso? Vamos a mais alguns outros pontos importantes:
- Morrer não é uma derrota, não é uma perda, não é uma pena.
Por nossa ignorância, o homem sempre entendeu a morte como sendo o fim. Entendeu deixar o corpo e a vida terrena como algo ruim, uma perda irreparável e definitiva, uma decepção e uma dor. E por conta disso, lamenta e sofre quando alguém querido morre. Ajamos frente à morte como devemos agir em qualquer situação: racionalmente. Agora que sabemos da continuidade da vida após a morte do corpo, que sabemos para onde vamos e o que nos acontece, não faz sentido seguir lamentando a morte de alguém. - Foquemos no tempo que estivemos juntos.
Muita gente se lamenta de não poder viver por mais tempo junto ao que morreu. Invertamos o raciocínio: pensemos o quão bom foi termos vivido todo o tempo em que estivemos juntos! Lembremos dele ou dela com amor, alegria e gratidão. Recordemos tudo de bom que usufruímos em nosso convívio. Enviemos a essa pessoa esses pensamentos alegres e carinhosos. Essa lembrança é um alento e uma homenagem a quem morreu. Essa lembrança é, se assim quisermos compreender, uma prece de muito melhor qualidade que aquelas rezas de frases feitas, automáticas, protocolares, onde o sentimento não toma parte. - Sofrer com a morte de alguém é compreensível, até certo ponto.
A surpresa e o vácuo da ausência de alguém com quem estamos acostumados podem mesmo provocar algum sofrimento, alguma dor. Compreensível e aceitável. Mas, como tudo, precisamos administrar esse sofrimento para que ele não passe do razoável, perturbando nossa tranquilidade e a nossa saúde mental, e também a paz de quem morreu e a de outros com quem convivemos. Se estamos tristes, fiquemos tristes, mas exagerar um sentimento apenas por achar que assim demonstraremos nosso amor por aquela pessoa é falso e é tolice. Se estamos bem com a morte de alguém, fiquemos bem. Esse é um sinal de que já começamos a compreender a vida e a morte; na verdade, é um belo sinal de que estamos nos desapegando, e evoluindo em nossa compreensão sobre os relacionamentos. Viver por longo período o sofrimento pela morte de alguém é algo irracional, pois em nada nos ajuda. Tampouco ajuda aquele que morreu, que, se puder perceber nosso sofrimento, sofre por causa dele. E muito menos ajuda aos outros, ainda encarnados, que precisam de nós, de nosso amor, de nosso equilíbrio, de nosso apoio e cuidado para seguir bem em suas vidas. Não permitamos que nossa incapacidade de gerenciar nossos sentimentos nos torne um peso na vida de alguém, espírito ou encarnado, morto ou vivo. - Não confundamos amor com apego.
Quem ama quer o bem do outro e não o outro para si. Querer o outro para si é egoísmo, apego. Cada espírito pertence a si mesmo. Nossos filhos não são nossos filhos, mas espíritos. Nossos companheiros também. Todos somos espíritos e ninguém pertence a ninguém para que os aprisionemos no nosso suposto amor, que não passa de apego. Continuemos amando a pessoa que morreu, mas sem querer tê-la conosco o tempo todo. Quem ama respeita a liberdade do outro, seu bem-estar, sua autonomia e sua trajetória. Alegra-se com seu progresso, quer o seu melhor. - Não nos tornemos obsessores de quem morreu.
Obsessor é aquele que atazana a vida do outro. Um encarnado que vive lamentando a morte de alguém que diz amar, que se revolta e que não administra sua tristeza pode perturbar aquele que morreu. O agora desencarnado, se puder perceber o desequilíbrio de quem ficou, se perturba com tanto tormento e não consegue a serenidade necessária para seguir com sua vida, agora num novo contexto. Aquela sua encarnação chegou ao final e ele/ela precisa cuidar da sua nova e fascinante fase de vida. Ele não deve ficar preso ao passado, preso às coisas da Terra e às pessoas que ainda ficaram por aqui. Lembremos que aquele que desencarnou tem mais o que fazer. Tem outros interesses e obrigações. Deixemos que siga feliz. Motivemos essa pessoa para que ele ou ela assim aja. Não sejamos tristes âncoras a prendê-la a seu passado. - Psicografia: tem certeza?
Muita gente quer receber uma mensagem do parente morto. Para quê? Para saber se ele ou ela está bem. E por que disso? E se souber que a pessoa está mal? O que fará? Deixemos o que morreu em paz, seguindo com sua vida. Paremos de incomodá-lo. Além disso, na psicografia há grande risco de farsa. Pode acontecer de o médium ser um farsante. Ou de o médium ser sério, mas o espírito ser um farsante. Ou mesmo animismo, que é quando a mensagem vem da mente do médium e ele, de boa fé, crê ser um outro espírito quem se comunica. Deixemos a psicografia apenas para casos muito específicos, quando ela for, de fato, necessária. Importante também compreender que, ao morrer, passamos a ter uma visão muito mais ampla de tudo, e que, nesse momento, nosso foco e nossos interesses podem mudar. O que era importante pode perder relevância. Talvez ele ou ela, apesar do amor que segue nos unindo, não julgue ser tão importante assim manter um diálogo com os que ficaram. Imagine quantos seres amados essa pessoa não encontrará no mundo espiritual! Se reencarnamos milhares de vezes, imagine quantos ex-pais, ex-mães, ex-cônjuges, ex-filhos essa pessoa, que tanto amamos, não encontrará! Imagine sua imensa alegria ao reencontrar tantos amores e amigos tão queridos! Com tanta novidade, será mesmo que ela quer ficar em contato exclusivo e permanente conosco, com seu passado? Será mesmo que ela quer continuar sabendo dos problemas, agora tão insignificantes, que deixou para trás, na Terra, na sua vida passada? Então, se de fato amamos a pessoa que morreu, deixemos que siga sua vida, feliz. Por amá-la, não exijamos exclusividade. Permitamos que ela ame muitos e não apenas a nós. - Reze com sua atitude.
Mais que rezar com palavras rebuscadas ou com uma oração padrão, vale mandarmos pensamentos alegres, gratos, de admiração e de amor para a pessoa que morreu. Se ela puder percebê-los, eles serão como lindos presentes, reconfortantes, que a revigorarão e nos unirão em amor. - Repense a culpa e o remorso.
É comum nos sentirmos culpados pela morte de alguém. É comum o remorso de não termos feito mais, melhor. Pensemos o seguinte: sempre poderíamos ter feito mais ou melhor, sempre. Mas ponderemos também que esses sentimentos são de pouca ajuda a quem morreu e mesmo para nós que ficamos. Cuidemos de viver bem com quem está conosco agora, neste instante, na nossa vida como encarnados, para evitar a culpa e o remorso no futuro. Lembremos que quem está vivo agora pode desencarnar no momento seguinte. E nós também. Então, sigamos o conselho de Jesus, que teria dito para nos reconciliarmos com todos, enquanto estamos a caminho. Mas se aconteceu de estarmos brigados ou com alguma pendência com alguém que morreu, em nosso pensamento conversemos com essa pessoa dizendo de nosso arrependimento e dor. Busquemos a reconexão, o entendimento, o perdão e a fraternidade. Sempre é tempo. - Não importa que não tenhamos nos despedido.
Nestes tempos de tantas mortes por conta da pandemia, muita gente lamenta e sofre por não haver tido tempo de se despedir do parente que morreu. O que significa despedir-se? Dizer que o/a amava? Se for isso, pense o quanto não deu mostras de seu amor durante o tempo em que estiveram juntos! Muitos de nós não falamos que amamos nossos amores, mas demonstramos nosso afeto por meio do carinho, da atenção e dos gestos. Se assim foi, está tudo certo. Se não foi, sempre é tempo de expressarmos nosso amor por meio de nossos pensamentos. - Entenda que morre quem já pode morrer.
Esse é um conceito muito importante. A Terra é um planeta difícil de se viver! É um planeta de provas e expiações. Os que aqui estamos somos espíritos ainda bastante rudes e inexperientes, e por conta disso, aqui ainda impera o egoísmo, a competição e a dor. Libertar-se desse ambiente, nos diz o espiritismo, é um ganho e não uma perda. É como se estivéssemos encarcerados no corpo, na Terra. Quem morre cumpriu sua pena e já tem direito à liberdade, pode deixar o triste ambiente desta penitenciária. Então, veja só, pelo que nos esclarece o espiritismo, poderíamos dizer que a certidão de óbito pode ser entendida como um alvará de soltura! Não nos entristeçamos nem lamentemos por aquele que ganhou a liberdade. Não sejamos nós, os que seguimos encarcerados cumprindo pena, a lamentar e maldizer a liberdade, essa boa conquista de nosso companheiro de cela. - Não seguremos quem já está pronto para morrer.
Não é incomum uma pessoa cujo corpo está já bastante debilitado não conseguir desencarnar porque seus parentes a ‘seguram’. É quando apelamos com dizeres como: “não me deixe!”, “você é tudo para mim!”, “não conseguirei viver sem você!”. Exagero. Ignorância. Falta de caridade. Deixemos ir quem precisa ir. Todos podemos, sim, viver sem qualquer outra pessoa. Ninguém, exceto você, é tudo para você. Cada um é responsável por si. Se você percebe que a pessoa a quem ama está precisando morrer, mas tem dificuldade de deixar o corpo, converse com ela. Por vezes ela não vai por receio, por vezes pela preocupação em deixar seus familiares sem seu apoio. Com tato, amor e carinho, esclareça-a, libertando-a para uma nova etapa, melhor, de sua vida. Essa conversa pode ser feita com a pessoa lúcida ou mesmo desacordada. O espírito sempre ouve. - Preparemo-nos para nossa morte.
A maioria das pessoas não teme a morte, mas tem medo de um eventual sofrimento na hora da morte. Faz sentido. Duas coisas nos fazem sofrer na hora de nossa morte: o apego e o remorso. Assim, o melhor a fazer é nos desapegarmos o mais que conseguirmos e de tudo: de nossos bens, de nosso trabalho, de nossos negócios, de nosso corpo, de nossos familiares, de nossos amores. Nada é nosso. Nada é definitivo. Na hora da morte, tudo fica, exceto o conhecimento e habilidades que adquirimos. Compreendamos que nós somos a nossa essência, somos espíritos, e que essa essência, que é nossa inteligência e nosso conhecimento, é tudo de que necessitamos em nossa vida como espíritos. Já para evitar o remorso, mantenhamos uma vida com relacionamentos saudáveis, nos relacionando bem com todos, nos reconciliando, compreendendo, auxiliando e perdoando. Não levemos conosco para a vida espiritual o pesado lastro do arrependimento e do remorso. - Sejamos caridosos também na hora de nossa morte.
O espiritismo nos recomenda a caridade afirmando: Fora da caridade não há salvação.
Pois façamos nossa última caridade como encarnados, doando os órgãos e tecidos de nosso corpo ao partirmos para a vida espiritual. Não precisaremos mais de órgãos como o coração, o fígado, o rim, o pulmão e o pâncreas. Nem precisaremos de tecidos como córnea, pele, ossos, válvulas cardíacas e cartilagens. Nós não precisaremos mais deles, mas muita gente precisa muito. Ao invés de deixar que o corpo que usamos apodreça, os doemos a bem de outros. E quando alguém de nossa família, que for doador de órgãos, morrer, respeitemos a vontade dessa pessoa. Não temos o direito de negar a doação, quando o usuário do corpo demonstrou desejo de fazer o bem com seus órgãos e tecidos. Doar órgãos, além de diminuir dores e eventualmente prorrogar vidas, é um ato de caridade que inspirará muitas pessoas, fazendo-as perceberem que, em sua essência, o homem é bom. E que o bem existe e sempre triunfa. - Não peçamos nada para aquele que morreu.
Se a vida estiver difícil e você quiser pedir uma ajuda, não peça para seu parente que morreu. Ele ou ela muito provavelmente não está em condições de ajudar, mas, como gosta de você, virá; e isso pode causar uma tremenda confusão. Ao morrermos, não mudamos, não ficamos mais sábios, não temos acesso a Deus. Um espírito ignorante não se torna sábio e com poderes especiais apenas porque deixou seu corpo. Mas o parente, no intuito de ajudar, vai se meter a resolver o que não entende ou vai atuar de forma parcial a seu favor, ou seja, tudo muito atabalhoado e inadequado. Melhor que pedir algo para alguém é nos esforçarmos e exigirmos de nossa inteligência mesmo. Os problemas são desafios que só existem para nos forçar no desenvolvimento de nossas habilidades. Use seus problemas a seu favor, para seu crescimento! Mas se ainda assim, pelo hábito de milênios, quisermos mesmo pedir ajuda, peçamos a Deus, ou a Jesus, ou ao nosso espírito protetor, nunca aos parentes.
Em resumo, a morte é algo natural e bom. Lidemos melhor com a morte dos outros e com a nossa própria morte, evitando a ignorância, que causa sempre um sofrimento desnecessário.
Já temos informação suficiente para pensar na morte e desenvolver, por nosso próprio esforço, uma abordagem melhor a mais esse belo fato da vida. Vivamos a vida e vivamos a morte como de fato são: expressões de Deus a nos mostrar a lógica e a beleza da criação.