Amélie-Gabrielle Boudet

( Madame Kardec)

FEEGO
6 min readNov 12, 2021

Pesquisa por Jane de Assis Azerêdo
(Trabalhadora da Área de Comunicação Social Espírita — Feego)

Imagem: Amélie-Gabrielle Boudet

A menina Amélie nasceu em Thiais (França), filha de Julien-Louis Boudet e Joulie-Louise Seigneat de Lacombe. Recebeu na pia batismal o nome de Amélie-Gabrielle Boudet. Seu pai era antigo tabelião, portanto bem colocado na vida. Filha única, aliando desde cedo grande vivacidade e forte interesse pelos estudos, não foi um problema para os pais, que, a par de fina educação moral, lhe proporcionaram apurados dotes intelectuais.

Após cursar o colégio primário, estabeleceu-se em Paris com a família, ingressando numa escola normal, de onde saiu diplomada em professora de 1ª classe.

Revela-nos o Dr. Canuto de Abreu que a senhorinha Amélie também foi professora de Letras e Belas Artes, trazendo de encarnações passadas a tendência inata, por assim dizer, para a poesia e o desenho.

Culta e inteligente, ela chegou a publicar três obras, nomeadas: Contos Primaveris (1825), Noções de Desenho (1826) e O Essencial em Belas Artes (1828).

Vivendo em Paris, no mundo das letras e do ensino, quis o destino que um dia a Senhorita Amélie Boudet deparasse com o professor Hippolyte Denizard Rivail.

De estatura baixa, mas bem proporcionada, olhos pardos e serenos, gentil e graciosa, vivaz nos gestos e nas palavras, denunciando inteligência admirável, aliando ainda a esses predicados um sorriso terno e bondoso, Amélie Boudet logo se fez notar pelo circunspecto professor Rivail, em quem reconheceu, de imediato, um homem verdadeiramente superior, culto, polido e reto.

Imagem: Hippolyte Denizard Rivail (Allan Kardec) e Amélie-Gabrielle Boudet

Em 6 de fevereiro de 1832 firmava-se o contrato de casamento.

Amélie Boudet tinha 9 anos a mais que o Professor Rivail, mas tal era a sua jovialidade física e espiritual que a olhos vistos aparentava a mesma idade do marido. Jamais essa diferença constituiu entrave à felicidade de ambos.

Pouco tempo depois de concluir seus estudos com Pestalozzi, no famoso castelo suíço de Zahringen (Yverdon), o Professor Rivail fundara em Paris um Instituto Técnico com orientação baseada nos métodos pestalozzianos. Madame Rivail associou-se ao esposo na afanosa tarefa educacional que ele vinha desempenhando no referido Instituto havia mais de um lustro (cinco anos).

Em 1835, o casal sofreu doloroso revés. Aquele estabelecimento de ensino foi obrigado a cerrar suas portas e a entrar em liquidação. Possuindo, porém, esposa altamente compreensiva, resignada e corajosa, fácil lhes foi sobrepor-se a esses infaustos acontecimentos. Amparando-se mutuamente, ambos se lançaram a maiores trabalhos. Durante o dia, enquanto Rivail se encarregava da contabilidade de casas comerciais, sua esposa colaborava de alguma forma na preparação dos cursos gratuitos que haviam organizado em sua residência, e que funcionaram de 1835 a 1840.

À noite, novamente juntos, não se davam ao merecido descanso. O problema da instrução às crianças e aos jovens tornara-se para o Professor Rivail, assim como o fora para seu mestre Pestalozzi, sempre digno da maior atenção. Por isso, até mesmo as horas da noite, ele as dividia para diferentes misteres relacionados com aquele problema, recebendo em todos a cooperação talentosa e espontânea de sua esposa.

Além de escrever novas obras de ensino, que, aliás, tiveram grande aceitação, o Professor Rivail realizava traduções de obras clássicas, preparava para os cursos de Lévi-Alvarèz, frequentados por toda a juventude parisiense do bairro de São Germano, e se dedicava ainda, em dias certos da semana, juntamente com a esposa, a professorar as matérias estatuídas para os já referidos cursos gratuitos.

“Aquele que encontrar uma mulher boa encontrará o bem e achará gozo no Senhor” — disse Salomão. Amélie Boudet era dessas mulheres boas, nobres e puras, despojadas das vaidades humanas, que descobrem no matrimônio missões nobilitantes a serem desempenhadas.

Nos cursos públicos de Matemática e Astronomia que o Professor Rivail lecionou, de 1843 a 1848, no “Liceu Polimático”, que fundou e dirigiu até 1850, e aos quais assistiram não só alunos, mas também professores, não faltou em tempo algum o auxílio eficiente e constante de sua dedicada consorte.

Todas essas realizações, e outras mais, a bem do povo, se originaram das palestras entre os dois cônjuges. No que toca à Madame Rivail, acreditamos que em muitas ocasiões, além de conselheira, foi ela a inspiradora de vários projetos que o marido pôs em execução.

O nome Denizard Rivail tornou-se conhecido nos meios cultos e, além do mais, muito respeitado. Estava aberto para ele o caminho da glória e da riqueza no campo da pedagogia.

Mas, para ambos, estava reservada uma missão, grandiosa pela sua importância universal, mas plena de exaustivos trabalhos e dolorosos espinhos.

O primeiro toque de chamada veio em 1954, quando o Professor Rivail foi atraído para os curiosos fenômenos das “mesas girantes”, então em voga no mundo todo. Acompanhando o esposo nessas investigações, era de se ver a alegria emotiva com que ela tomava conhecimento dos fatos que descerravam para a humanidade novos horizontes de felicidade. Após observações e inúmeras experiências, o Professor Rivail pôs mãos à maravilhosa obra da codificação, e é ainda de sua cara consorte, então com 60 anos, que ele recebe todo o apoio moral nesse cometimento. Tornou-se ela verdadeira secretária de seu esposo, secundando-o nos novos e bem mais árduos trabalhos que agora lhe tomavam todo o tempo, estimulando-o, incentivando-o no cumprimento de sua missão.

Sem dúvida, nós espíritas, muito devemos à Amélie Boudet, e estamos de acordo com o que escreveu Samuel Smiles: “Os supremos atos da mulher geralmente permanecem ignorados, não saem à luz da admiração do mundo, porque são feitos na vida privada, longe dos olhos do público, pelo único amor do bem.”

O nome de Madame Rivail enfileira-se assim, com muita justiça, entre as muitas mulheres que a história registrou como dedicadas e fiéis colaboradoras dos seus esposos, sem as quais talvez eles não levassem a termo as suas missões.

Intrigas, traições, insultos, ingratidões, tudo de mau cercou o ilustre reformador, mas, em todos os momentos de provas e dificuldades, ele sempre encontrou no terno afeto nobre de sua esposa amparo e consolação, confirmando-se essas palavras de Simalen: “A mulher é a estrela de bonança nos temporais da vida.”

Com vasta correspondência epistolar, proveniente da França e de vários outros países, não fosse a ajuda de sua esposa nesse setor, sem dúvida não sobraria tempo para Allan Kardec se dedicar ao preparo dos livros da codificação e de sua revista.

Colaborou permanentemente com os estudos do marido, tornando-se grande incentivadora do trabalho de Codificação e difusão do Espiritismo.

Costuma-se dividir a sua vida em grandes fases ou períodos:

  • De 1795 a 1832, como senhorita Amélie-Gabrielle Boudet;
  • De 1832 a 1857, como a senhora Rivail;
  • De 1857 a 1869, como a senhora Allan Kardec;
  • De 1869 a 1883, como a viúva Allan Kardec.

Uma série de viagens (em 1860, 1861, 1862, 1864 etc…) realizou Kardec, percorrendo mais de 20 cidades francesas, além de várias outras da Suíça e da Bélgica, em todas semeando ideias espíritas. Sua veneranda consorte, sempre que as forças lhe permitiam, acompanhou-o nessas viagens, cujas despesas, cumpre informar, corriam por conta do casal.

Aos 31 de março de 1869, aos 65 anos, desencarna subitamente Allan Kardec, vítima de um aneurisma.

Madame Allan Kardec, que partilhara com admirável resignação as desilusões e os infortúnios do esposo, agora com os cabelos nevados nos seus 74 anos de existência e a alma sublimada pelos ensinos dos Espíritos do Senhor, suportou a dura realidade, dando continuidade à obra magnífica do esposo.

Apesar de sua avançada idade, Madame Allan Kardec demonstrava um espírito de trabalho fora do comum, fazendo questão de tudo gerir pessoalmente, cuidando de assuntos diversos que demandariam várias cabeças.

Estafantes eram os afazeres dessa admirável mulher, cuja idade já lhe exigia repouso físico e sossego de espírito.

Esforçando-se por concretizar os planos expostos por Allan Kardec na Revue Spirite, de 1868, fundou a Sociedade Anônima do Espiritismo, conjuntamente com alguns velhos discípulos do seu esposo, que tinha, como fito principal, a continuação da “Revue Spirite”, a publicação das obras de Allan Kardec e de todos os livros que tratassem do espiritismo.

Graças, pois, à visão, ao empenho, ao devotamento sem limites de Madame Allan Kardec, o espiritismo cresceu a passos de gigante, não só na França, como também no mundo todo.

Muito ainda fez essa extraordinária mulher em prol do espiritismo e de quantos lhe buscavam para pedir um conselho ou uma palavra de consolo, até que em 21 de janeiro de 1883, às 5 horas da madrugada, docemente, com rara lucidez de espírito, com aquele mesmo meigo e gracioso sorriso, desatou-se dos últimos laços que ainda lhe prendiam à matéria.

Não deixando herdeiros diretos, pois não teve filhos, por testamento fez ela sua legatária universal a “Sociedade para Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec”.

“Sua existência inteira foi um poema cheio de coragem, perseverança, caridade e sabedoria.”

Fonte: Wantuil, Zêus, Grandes Espíritas do Brasil.

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