Alexandre Assis Carvalho
Ele cruzou a porta da frente com relutância, dentro de si havia a dúvida de estar ou não se perdendo. “Eu não posso estar louco. Não, eu não estou…, tomara que eu não esteja”. Seria vergonhoso se os colegas soubessem o que se passava. As indagações sobre seu futuro lhe causavam uma angústia difícil de ser suportada. Infelizmente a expectativa dos outros era uma sombra que devorava suas esperanças e o melhor juízo.
Não havia ninguém na recepção e ele ouviu um barulho na sala ao lado, indicando a presença de alguém. “Acho melhor voltar outra hora”. Os pés estavam cravados no chão como raízes. Um passo adiante e talvez não tivesse mais volta. Se desistisse, as dúvidas e dores poderiam sufocá-lo. “Vamos lá, o pai do Gabriel é sempre tão tranquilo e vive dizendo que aqui é um lugar muito bom e acolhedor. Eu preciso, pelo menos, tentar”.
Enquanto seus pensamentos batalhavam, o barulho da sala parou e passos começaram a ser ouvidos em sua direção. Seu coração palpitou ainda mais. A mente buscava respostas, mas o corpo estava pronto para correr. Uma senhora com cabelo ruivo um pouco bagunçado apareceu batendo as mãos para tirar o excesso de pó contido nelas. Seus óculos estavam equilibrados na ponta do nariz e sobre a armação fez o primeiro contato visual com o jovem plantado na entrada. Ela pôde ver que ele estava perturbado, embora nada pudesse revelar isso para quem o visse de fora. Os pensamentos que antes ocupavam sua mente se dissiparam em um instante e um sorriso desenhou sua expressão. “Olá, meu jovem, desculpe-me, mas não o vi entrando. Estamos sem voluntários esses dias e eu precisava organizar uns livros naquela sala… Não me recordo de tê-lo visto aqui antes. É sua primeira vez em nossa casa espírita? O que posso fazer por você? Ah, onde estou com a cabeça!? Prazer, meu nome é Clarisse”.
“Mateus. Eu sou o Mateus”, falou pela primeira vez a voz trêmula que se sentia estranhamente confortável com a presença afetuosa de Clarisse. “Eu queria conversar com o coordenador daqui. Estou passando por umas paradas meio complicadas, meu sono está estranho, andei vendo algumas coisas meio loucas e, sei lá, não queria ficar tomando remédio e nem falando desses trem para outras pessoas. Ando irritado, cansado e acho que um pouco depressivo. Eu me sinto sozinho e, às vezes, penso que posso ter enlouquecido”.
“Vamos nos sentar ali pra conversar um pouco”, disse Clarisse, depois de significativo olhar, entendendo o mar de emoções conflitantes pelas quais o jovem passava. Não seria possível lhe explicar tudo no espaço de uma mensagem do Twitter, mas ela precisava acolhê-lo bem. Ela se lembrou do relato de um visitante do dia anterior que disse ter ido conhecer uma casa espírita mais perto de onde morava e uma pessoa de lá já se apressou a lhe dizer que era preciso trabalhar. “Seria um tanto assustador apontar para esse jovem uma imediata necessidade do trabalho, sem lhe dar um contexto que fizesse sentido. É por isso que muitas pessoas acabam indo embora…”, refletiu ela enquanto se dirigiam para os assentos.
***
Deixemos eles conversarem em particular. O caso do Mateus é um caso comum e ocorre com jovens todos os dias em algum lugar do mundo. O fenômeno conhecido como mediunidade derrama sua manifestação cada vez mais no solo do planeta e nunca esteve circunscrito apenas às paredes dos centros espíritas. Por ser uma faculdade orgânica, pode se manifestar na mais tenra ou na mais avançada idade. Ela não pede para olhar o registro de nascimento antes de dar início às suas atividades. A prova disso está na história do mundo e, em especial, na do Espiritismo. O famoso caso das irmãs Fox (Kate, onze; e Maggie, catorze) que chamou a atenção do mundo é um exemplo; também o é o das filhas do casal Baudin, Caroline (dezesseis) e Julie (quatorze). Quando voltamos nosso olhar para o Brasil, Chico Xavier, Ivonne Pereira, Divaldo Franco têm uma história com a mediunidade que remonta à infância.
Isso quer dizer que jovens devem se juntar às reuniões mediúnicas? Não há uma regra e buscar criar uma pensando exclusivamente na idade seria incorrer em grave erro. É natural a eclosão da mediunidade na juventude, em face do processo de desenvolvimento do corpo, no entanto isso não significa a pessoa estar pronta para se dedicar aos grupos mediúnicos.
A ressalva aqui se dá, antes de mais nada, para os riscos da obsessão. O trabalho não pode ser esporádico e tampouco por curiosidade, no estilo “deixa eu ver se é pra mim”, ou abraçado quando não se tem outra coisa mais interessante na agenda. Todos temos a liberdade para escolher, mas depois de feita a escolha, assumimos uma obrigação com a qual devemos honrar. Quando nos prestamos ao trabalho junto aos Espíritos, buscamos, evidentemente, a companhia dos sérios e não podemos dar garantia de sua presença e compromisso, quando somos os primeiros a não assumí-lo. Por outro lado, os Espíritos levianos, como o próprio nome já diz, estão a postos para nos levar para qualquer lugar, responder a qualquer pergunta, orientar sobre as coisas mais esdrúxulas e banais. Nas mãos deles, os primeiros dias podem parecer gloriosos, mas o pesadelo virá a seguir.
O estudo sempre é recomendado não como uma barreira para se evitar que o jovem possa ter uma experiência com os Espíritos, até porque essa experiência se dá a todos os instantes da vida. É recomendado por oferecer três elementos importantes: segurança, autonomia e responsabilidade. Com isso o jovem começa a entender como funcionam as manifestações; o que se passa com ele durante; o que pode estar por trás de algumas reações e sensações. Aos poucos ele consegue distinguir potenciais influências em seus pensamentos, sabendo, inclusive, como se blindar por meio da prece e das boas ações.
No entanto, não são todas as pessoas que veem e ouvem Espíritos em todos os lugares ou presenciam fenômenos de objetos se mexendo pra lá e pra cá. Às vezes, o que se passa é mais sutil e a pessoa só precisa de alguém para lhe estender a mão e oferecer uma palavra amiga.
Antes de qualquer coisa, o Espiritismo tem por objetivo combater o materialismo. Com isso, o sofrimento cessará e a vontade de viver inundará nossos corações. Trata-se de uma vontade que visa uma vida com propósito, na mira da felicidade. No contexto da mediunidade, a intuição nos serve para comunicarmos, na intimidade de nós mesmos, com nosso mentor e com almas queridas, encontrando neles força, coragem e ânimo para a luta diária. Como faculdade psíquica, ela está no dia a dia de todos nós e o mundo precisa ser apresentado ao seu lado mais sublime, que nos faz sentir Deus em tudo, enquanto servimos como intérpretes de uma vontade maior (que rasga o véu).
***
Passados alguns minutos de conversa: “Eu me lembro que na sua idade eu também estava assim. Ainda não sabia que isso era normal e que eu não precisava sofrer. Minha família não aceitava, porque achava ser o demônio me atormentando, enquanto eu era uma fraca por cair nas suas seduções. Por sorte, igual a você, o pai de uma amiga era responsável por um centro e vendo a minha angústia e a dor que eu passava em casa, convidou-me para participar dos cultos no lar com a sua família. Uma coisa levou a outra e hoje estou aqui. Você é muito bem-vindo. Daqui a 15 minutos vamos começar a nossa reunião pública e preciso terminar os últimos preparativos. Você é meu convidado especial de hoje. Continuaremos nossa conversa ao longo da semana, mas leia este livro aqui e depois me conte o que achou”. Essas foram as palavras de Clarisse, enquanto estendia O livro dos Espíritos, de Allan Kardec, para Mateus, que extremamente confortado retribuiu o gesto com um sorriso e sinceridade no olhar que confessavam ter ele achado o seu lugar. O otimismo retomou sua alma e a vontade de fazer o bem deu novo brilho e intensidade à chama enfraquecida pelas desilusões. Sem saber explicar, Mateus sabia que tudo em sua vida seria diferente a partir dali, mesmo Clarisse não tendo lhe dito nada sobre isso.