Yvonne do Amaral Pereira
Pesquisa de Jane de Assis Azerêdo
(Trabalhadora da Área de Comunicação Social Espírita — Feego)
O mês de dezembro já representa, para a terra, o mês de fluidos renovados, pois sabemos que próximo à grande data, o Natal, o Cristo visita a terra, trazendo-nos um clima diferente, onde parece que cada ser humano passa a sentir uma alegria e um ânimo diferentes dos meses anteriores.
Tudo é paz, todos se abraçam, se esquecendo das amarguras e consolados em novas esperanças para o futuro. Esta é a presença do nosso governador divino: Jesus Cristo.
E foi nesta data festiva, justamente na véspera do Natal do ano de 1906, no dia 24 de dezembro, que abria os olhos para a vida material Yvonne do Amaral Pereira.
Nascia ela num sítio, nos arredores da Vila de Santa Tereza, município de Valença, Rio de Janeiro. Era filha do negociante Manoel José Pereira e de Elizabeth do Amaral Pereira. Seu pai era descendente de portugueses, homem honesto e generoso de coração, talvez por esse motivo viu-se em fases difíceis no mundo dos negócios, tendo falido três vezes, e passado a trabalhar como funcionário público para sustentar sua família, que tinha nove membros.
Como a própria Yvonne relata em seus livros, ela já nasceu médium. Sabia compreender as dificuldades da família e, nunca exigia de seus pais, em sua adolescência, como é natural aos jovens, roupas, calçados ou festas.
Procurava sempre ajudar sua avó, por quem fora criada até os 10 anos, justamente para ser assistida com mais cuidados, porque, como tinha a saúde um tanto frágil, sua mãe, com irmãos menores para cuidar, não conseguia acompanhar suas necessidades médicas, sendo, por isso, sua avó paterna quem lhe atendia e acompanhava seu desenvolvimento até essa idade, quando ela pôde voltar a conviver com os pais.
Aos 23 de janeiro de 1907, quando Yvonne estava com 29 dias de vida, ele teve um repentino acesso de tosse, o que a levou à sufocação. Ficou com aparência de morta. Durante horas manteve-se sem pulso e em estado cadavérico. O médico dera o laudo como morte súbita por sufocação. A família passou a tratar do sepultamento. Como a vinda de Yvonne ao mundo dos encarnados era de pouco tempo, a família não se abatera tanto, achando o caso normal. Mas Dª. Elizabeth, sua mãe, não se conformava. Ela não chorava, porque achava que sua filhinha não estava morta. Algo lhe dizia que orasse, pois em breve a pequenina voltaria à vida. Como católica fervorosa, Dª. Elizabeth recolheu-se a um aposento tranquilo da casa, enquanto suas irmãs e mãe tratavam de arrumar a pequena no caixão para dar início ao sepultamento.
Diante da imagem de Maria, mãe de Jesus, e com uma vela acesa, colocou-se de joelhos e, contrita, fez um pedido à santa para que permitisse que algo ocorresse e sua filhinha não fosse sepultada, e prometeu dar-lhe o nome de Maria.
O pai, contudo, tinha sua própria vontade e registrou-a com o nome de Yvonne — Yvonne do Amaral Pereira. A própria Yvonne confidenciou a amigos que, na espiritualidade, os espíritos a chamavam de Maria, respeitando, assim, a vontade e a promessa de uma mãe aflita.
Yvonne estava em estado de catalepsia e com a prece fervorosa da mãe e os espinhos das rosas que adornavam sua cabecinha, após horas considerada como morta, acordou.
Toda sua vida foi de renúncias e dedicação aos sofredores. Seu pai costumava levar para casa pessoas necessitadas e a menina Yvonne passou a conviver com mendigos, que comiam na mesma mesa e dormiam sob o mesmo teto que ela.
Aos cinco anos de idade, começou a ter percepções mediúnicas. Via os espíritos com tal nitidez que, por vezes, confundia a si mesma e aos seus familiares.
As lembranças de vidas anteriores não contribuíram menos para lhe causar tormentos, pois, à tarde, ao tomar banho, ela exigia o vestido bonito e reclamava pela carruagem que a deveria levar a passeio.
No relacionamento com seu pai, mais de uma vez, ao lhe chamar a atenção, ela olhava-o e dizia que ele não era seu pai. Referia-se ao espírito Charles, que via com constância, e que lhe fora companheiro de muitas jornadas e pai amoroso. Sentia, ademais, imensas saudades de Charles, a quem desejava abraçar, sofrendo por sua ausência física.
Yvonne era uma mulher corajosa. A pedido da Federação Espírita Brasileira (FEB), escreveu, em 1982, sua própria biografia, detalhando suas lutas, seus percalços, que foi publicada na revista Reformador, da FEB.
Não temeu informar que ela própria era a personagem de muitas das histórias e romances escritos mediunicamente por seu intermédio, descrevendo sua trajetória de acertos e desajustes desde os anos 40 da Era cristã à atualidade, conforme os registros em Sublimação (Lygia/Nina/Leila); Nas Voragens do Pecado (Ruth-Carolina); O Cavaleiro de Numiers (Berthe de Soumerville); O Drama da Bretanha (Andrea de Gusmann).
Sobre o processo de como se realizou a recepção das obras mediúnicas, explica Yvonne: “A fim de receber esses livros, os romances principalmente, e também Memórias de um Suicida, seus autores espirituais retiravam meu espírito do corpo material. Levavam-me com eles para o além ou para o país em que se desenrolaria a ação: Portugal, França, Alemanha, Rússia e também alguns ambientes do mundo invisível. Conheci, assim, algumas paisagens do Mundo Espiritual e países estrangeiros terrenos, onde a ação romântica se desenrolava, em diferentes épocas e séculos. Nesses locais, eu assistia à peça a ser escrita pelos autores espirituais, com todos os detalhes, sentia as emoções de todas as personagens, contemplava colorações belíssimas, via-me em todas as cenas, mas nada fazia ou dizia, e ouvia uma voz desconhecida a narrar o drama com uma precisão e um encanto indescritíveis, mas sem ver o narrador, e ouvia ainda tudo quanto diziam as suas personagens. Assisti, dessa forma, à célebre Matança dos Huguenotes, na França, no ano de 1572, com detalhes inimagináveis por todos nós. Assisti a cenas da inquisição de Portugal, no século XVI. Visitei castelos medievais e da Renascença. Penetrei o Palácio do Louvre, em Paris, como ele devia ser ao tempo de Catarina de Médicis. Vi os gelos da Rússia, conheci a vida de seus camponeses e o esplendor da nobreza ali existente durante o império. Conheci antros de miséria e dor de toda parte. Penetrei regiões sombrias do astral inferior e ambientes consoladores do astral intermediário… Posso dizer que o Além-Túmulo se assemelha à nossa terra, porém mais belo nas regiões intermediárias e boas. Nestas, tudo é agradável, belo e artístico. Convivi finalmente com meus guias espirituais, como se eu fora também desencarnada, ou quase isso, e revi muitos trechos do passado histórico citados em meus livros, como se se tratasse do presente. Depois de todas essas visões, os autores espirituais dos livros mostrados voltavam e os escreviam, e eu os transmitia com grande facilidade, porque já conhecia o enredo e os detalhes.” (Anotações feitas pela médium em 30 de julho de 1973, e publicadas na Reformador de fevereiro de 1982.)
Enfim, por tudo o que realizou em sua vida de médium espírita, Yvonne do Amaral Pereira pode ser considerada como uma das maiores médiuns sob todos os aspectos, dotada de valiosas faculdades sempre postas a serviço do bem e dentro do bom senso.
Exigente e desconfiada quando o fato se relacionava com o mundo espiritual, nunca aceitava nada à primeira vista, sem o exame dentro da lógica, conforme preceitua a Doutrina Espírita.
O casamento não fez parte de sua vida, embora ela tenha insistido com alguns namoros, que, conforme confessou, somente dissabores lhe trouxeram à alma.
Médium psicógrafa, receitista, de desdobramento, psicofonia, vidência, de efeitos físicos (materializações), era amiga dos suicidas. Lia os jornais e anotava em caderno especial os nomes dos que descobria terem tirado a própria vida, orando por eles diariamente, sabedora das dores que os alcançavam. Isso lhe granjeou muitas amizades espirituais. Trabalhou sempre, mesmo quando as condições lhe eram mais adversas.
Quando, no Rio de Janeiro, não foi aceita em vários centros espíritas, trabalhou sozinha, fornecendo receituário mediúnico e os medicamentos, realizando aulas de evangelização às crianças, psicografando. Aplicava injeções em doentes pobres, costurava para eles. Estabeleceu aulas de costura e bordados a moças e meninas de favelas próximas onde ela residia.
Manteve-se fiel à FEB mesmo após ter tido suas duas primeiras produções mediúnicas rejeitadas (Memórias de um Suicida e Amor e Ódio). Reconheceu que fora o Alto que tornara seu instrumento Manuel Quintão, pois faltava conteúdo doutrinário ao Memórias de um Suicida. Léon Denis, o Apóstolo do Espiritismo, seria quem lhe daria a feição doutrinária necessária.
Segundo informações da própria Yvonne, ela trouxera a incumbência de se prestar a esse trabalho, antes de reencarnar, pois se afinava com o problema por ter praticado esse ato tresloucado em vidas anteriores. Seria, portanto, uma forma de resgatar suas faltas.
Camilo Castelo Branco escreveu, por meio da psicografia de Yvonne, o livro Memórias de um Suicida, em 1926, mas só foi publicado em 1956. Atualmente essa obra é considerada um monumento da bibliografia mediúnica no Brasil.
Yvonne teve a oportunidade de saber da reencarnação de seu grande amor, um amor de várias encarnações, chegando a se corresponder com ele em Esperanto e a orientá-lo após a morte física. Ele nascera na Polônia. A descrição dos encontros espirituais desses dois espíritos é sublime. Possivelmente, para o coração de Yvonne, os poucos momentos de felicidade de que podia usufruir, além das horas de trabalho psicográfico de literatura que, confessava, eram de intensa felicidade, as únicas horas felizes que conhecera em sua vida.
Dedicou 54 anos e meio às curas, por meio do receituário homeopático, passes e preces. Curou obsessões, sempre assistida por espíritos de alta envergadura como Bezerra de Menezes, Bittencourt Sampaio, Charles, Roberto de Canallejas.
Foi oradora espírita durante 44 anos. Disciplinada, diariamente mantinha um trabalho de irradiações, que realizava a sós com seus guias. Nessas verdadeiras sessões, ela lia trechos da Doutrina Espírita, oferecendo-os aos desencarnados, desejando que pudessem se esclarecer e se ilustrar com as leituras.
Atuou orientando médiuns e centros espíritas, reconciliando cônjuges, reequilibrando lares desarmonizados, consolando corações, evitando suicídios e esclarecendo espíritos sofredores.
Estudiosa da Doutrina Espírita, na Codificação alicerçava todo o seu trabalho, seguindo fielmente as prescrições de O Livro dos Médiuns, no exercício da própria faculdade.
Deixou um legado de obras extraordinárias:
Memórias de um Suicida (1954)
Nas Telas do Infinito (1955)
Amor e Ódio (1956)
A Tragédia de Santa Maria (1957)
Nas Voragens do Pecado (1960)
Ressureição e Vida (1963)
Devassando o Invisível (1964)
Dramas da Obsessão (1964)
Recordações da Mediunidade (1966)
O Drama da Bretanha (1973)
Sublimação (1973)
O Cavaleiro de Numiers (1975)
Cânticos do Coração — vol. I e II (1994)
À Luz do Consolador (1997)
Um Caso de Reencarnação (2000)
Publicou também:
A Família Espírita; Evangelho aos Simples; A Lei de Deus; Contos Amigos; O Livro de Eneida; e ainda Pontos Doutrinários — uma coletânea de crônicas publicadas no Reformador.
Palavras de Yvonne:
“… Desejo registrar aqui minha gratidão e o meu amor pela Federação Espírita Brasileira e sua direção. Foi ela a minha verdadeira casa paterna neste mundo. Recebi de todos os seus dirigentes, notadamente do Dr Wantuil de Freitas, do Dr Armando de Oliveira Assis e do Sr Francisco Thiesen e todos os atendentes, carinho fraterno. Respeitei-a e amei-a sempre, e para mim ela é realmente, a legítima representante da Igreja do Alto na terra. E ao nobre espírito Manuel Quintão agradeço, ainda neste momento, não ter-me atendido no ano de 1944, quando procurei a federação, levando meus trabalhos ainda incompletos. Sua recusa salvou não somente o “Memórias de um Suicida” mas toda a minha posterior obra mediúnica, pois se esse livro tivesse sido lido naquela ocasião seria rejeitado e eu não mais cuidaria, certamente, da literatura mediúnica.”
Yvonne retornou ao mundo espiritual no dia 09 de março de 1984, tendo desencarnado no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro.
Bibliografia:
À Luz do Consolador — Yvonne A. Pereira, ed. FEB.
Devassando o Invisível — Yvonne A. Pereira, ed. FEB.
Recordações da Mediunidade — Yvonne A. Pereira, ed. FEB.
Um Caso de Reencarnação — eu e Roberto Canallejas — Yvonne A. Pereira, ed. Societo Lorenz.
Yvonne Pereira, uma heroína silenciosa — Pedro Camilo, ed. Lachâtre
Biografia escrita pela própria médium.
https://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2019/12/Yvonne_do_Amaral.pdf